quarta-feira, 20 de abril de 2011

PRÓLOGO

"Sê um homem e não siga a mim, mas a ti! Apenas a ti!" Goethe
 
Antes de mais nada, a motivação dessas memórias tem a ver com os ensinamentos do profeta Zarathustra, que exigia de seus seguidores que o esquecessem e procurassem por si sós o verdadeiro caminho; um caminho no qual estariam em puro devir e superando-se constantemente, com o intuito de se tornarem um além do homem (ou um humano, demasiadamente humano). Em outras palavras, o demasiado humano (entendido aqui também como a superação do homem moralista) se daria a partir do instante em que este se livrasse do peso inumano dos preceitos morais e construísse através de seus próprios meios uma "moral imanente"... melhor dizendo, uma ética impessoal - ou utilitária, como queriam os anarquistas russos. 



É preciso, entretanto, diferenciarmos a moral da ética. A moral é toda aquela visão ocidental que nos diz como ver as coisas, utilizando-se do esquema verdade/exclusão. Assim, sua linguagem é sempre dualista, ou seja, ela opera por meio do certo ou do errado, do bem ou do mal, do verdadeiro ou do falso etc.. A ética, antes de nos dizer como devemos agir, ela nos convida a pensar o que pode um corpo? Isto é, ao invés de nos moldar por um viés absoluto e metafísico, a ética procura singularizar cada corpo, perguntando o que cada um consegue suportar, para não se desintegrar. A ética é maneira pela qual cada um leva sua vida de modo que queira novamente sua vida. A ética, visa, portanto, uma afirmação singular de cada corpo a fim de aumentar a potência de cada organismo.


Se o super-homem de Zarathustra é esse “ser” que se potencializa através de um modo de vida singular, a própria ética, podemos entendê-lo como aquele que nos fala sobre a superação da moral platônica-cristã, para que nos tornemos aquilo que já somos, ou seja, um animal dono de sua vontade, que não se submete a nenhum tipo de poder: Um animal para além do bem e do mal. Nosso profeta, então, nos fala de 3 etapas da condição humana. Primeiro, quando parecemos um camelo, carregando nas costas todo o fardo de uma cultura imposta. Em seguida, quando nos tornamos um Leão e trocamos a crença e a esperança pelo cepticismo e pela investigação de nós mesmos, quebrando, assim, os valores metafísicos enraizados. E por fim, de nada adiantaria somente destruir esses preceitos e não criar outros valores, sobre as cinzas do velho. Seríamos, dessa maneira, apenas niilistas reativos. É preciso inventar, com efeito, novos modos de vida, por isso, irrompe-nos a figura da criança, como imagem do esquecimento e ponte para a criação.


Memórias d'um Amnésico vem para nos lembrar de nossa intuição mais profunda, a vontade de criar outras formas de vida, para além e aquém dessa cultura de escravidão, que fomentamos há mais de dois mil anos. Amnésia como limite a partir do qual podemos pensar novas maneiras de viver, isentos de crenças fantasmagóricas, e livres da moral imoral do rebanho e de esperas infindáveis que só prologam o sofrimento. Sejamos fiéis à Terra.

P.S.: Antes de lerem isto, lembrem-se de esquecer.